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Emagreça usando a internet

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Blog, fórum, aplicativo – para emagrecer usandoa internet, a professora mineira Edna Batista, de 42 anos, ataca em váriasfrentes do mundo digital. Há um ano e meio, tornou-se usuária de um site deemagrecimento que ajuda a controlar o peso. Por meio dele, Edna calcula ascalorias dos alimentos que pretende comer, tira dúvidas com nutricionistas e éacompanhada – e incentivada – por centenas de outras pessoas que, como ela,tentam afinar a silhueta. Ainda com a ajuda da internet, passou a manter umdiário virtual de sua dieta. Ela digita tudo o que come, e o site, por meio deuma ferramenta de contagem, transforma dados calóricos em pontos. Semultrapassar os limites impostos pelo programa, ela manipula as combinações dealimentos leves com calóricos e, assim, não precisa excluir de sua vidasobremesas ou cervejinhas. Quando está insegura sobre os resultados ou desejacompartilhar seu sucesso na balança, entra na comunidade virtual do site deemagrecimento, o Dieta e Saúde, e divide suas dúvidas com outros participantes.O site, cujo programa de regimes on-line custa R$ 89 por trimestre, está no arhá sete anos e já atraiu 150 mil usuários. “Os participantes da comunidadevirtual mandam tantas sugestões legais de pratos que consigo economizarcalorias durante o dia para comer uma pizza à noite, com os amigos, sem sair dadieta”, diz Edna.

Tanta atividade na seara virtual vem dandoresultado no mundo real. Edna pesava 105 quilos quando começou o programa eho-je está com 20 quilos a menos. Ainda pretende emagrecer outros 10 quilos.Obesa desde a infância, com pais e irmãos igualmente acima do peso, Edna játentara emagrecer com inibidores de apetite receitados por médicos. Valeu-setambém de dietas radicais, como a da sopa e a da proteína, que seguiu porcontra própria. Não deu certo. O sacrifício funcionava por um tempo, mas o pesoperdido voltava como uma vingança, tão rápido quanto sumira. No auge daobesidade, há pouco mais de um ano, Edna passou dos 100 quilos, com apenas 1,63metro de altura. “Eu me vi numa foto de casamento e fiquei chocada com o meutamanho”, afirma. Os conselhos on-line dos nutricionistas, o aplicativo quecalcula as calorias e as dicas dos demais internautas foram, em seu caso, eficazespara mudar esse quadro (leia as colunas de Walcyr Carrasco, e Marcio Atalla).

Os programas virtuais de emagrecimento reúnemcerca de 1,5 milhão de brasileiros, de acordo com a contabilidade dos dezmaiores sites desse tipo no país. Nos Estados Unidos, onde a onda começou hádez anos, 5 milhões de pessoas já usaram a rede para perder peso. De acordo comuma pesquisa encomendada por ÉPOCA, a dieta virtual se tornou uma espécie deúltimo recurso a que recorre um número cada vez maior de pessoas que, comoEdna, não conseguiram perder peso de outra forma. A pesquisa, com 1.113usuários, mostra que a maior parte dos participantes (85,8%) já experimentouregimes convencionais, mas elegeu a internet por considerá-la a ferramenta maiseficaz e barata do mercado. Quase 20% disseram que, ao fazer dietas comnutricionistas, sentiam dificuldade para esclarecer dúvidas sobre o que podiamou não comer no dia a dia. Para 65% dos participantes, uma das grandesvantagens do regime on-line é a possibilidade de acompanhar o desempenho doscolegas – e ser acompanhado por eles. O público desse tipo de serviço émajoritariamente feminino (91,8%) e jovem: a maioria (63,1%) tem idade entre 26e 45 anos. Entre os próprios usuários, levam vantagem os mais conectados.Aqueles que controlam diariamente a alimentação, digitando no diário virtual ascalorias ingeridas, emagrecem até sete vezes mais que usuários que só fazemesse controle uma vez por semana – e perdem 1,2 quilo a mais do que quem nãotem o costume de subir na balança e fazer planilhas semanais com a evolução deseu peso.

A possibilidade de entrar em forma pelainternet soa tão fácil, tão conveniente, que chega a provocar desconfiança. Masestudos recentes conduzidos por médicos e nutricionistas sugerem que a dietadigital pode, sim, ser eficaz. “Esses sites colocam o usuário no controle desua alimentação e na responsabilidade pelo seu emagrecimento”, diz anutricionista Lígia Amparo Santos, professora da Universidade Federal da Bahia.“Essa tática funciona.” Lígia publicou em 2007 um estudo sobre a estratégia deredução de peso usada por sites de emagrecimento e, desde então, acompanha deperto o assunto. Fora do Brasil, a tendência tem sido estudada por cientistasque tentam medir a eficácia das dietas on-line. O resultado tem sido favorávelao método, embora ainda não haja consenso científico. Parece claro que apossibilidade de acompanhar e ser acompanhado por outras pessoas mudainteiramente o caráter da dieta. “A internet é a ferramenta mais promissorapara a mudança de comportamento surgida nas últimas décadas”, afirma oneurocientista Stephen Waxman, da Universidade Yale, nos Estados Unidos.

Os sites removem as pessoas de um ambienteisolado e as transportam para uma experiência de esforço coletivo que sealimenta da energia do grupo. É mais fácil que estar presente a uma reunião dosVigilantes do Peso. No modelo on-line, não é preciso obedecer aos horários dosencontros nem reservar tempo para se deslocar até o local das reuniões. Aomesmo tempo, pela força do número de participantes, a dieta na internet virauma onda, uma tendência de comportamento. O que era uma angústia pessoal pode setransformar em ação e conquista coletiva. A vergonha de se expor por estaracima do peso perde importância quando a interação é virtual. Ao deixar umamensagem de incentivo num blog ou compartilhar o que comeu com os colegas de umfórum, o candidato à perda de peso se sente amparado. “O comprometimento com oregime é maior à medida que aumenta o grau de interação da pessoa”, diz Waxman.“É por essa razão que as pesquisas mostram que as pessoas com mais amigosvirtuais tendem a emagrecer mais. É como se houvesse uma multidão torcendo porelas.”

FEEDBACK LOOP

O outro elemento do sucesso das dietas digitais– talvez o principal – é a interatividade permitida pela tecnologia. Afacilida-de de registrar em arquivos eletrônicos cada alimento que alguém põe naboca e de avaliar instantaneamente o resultado de suas escolhas é consideradapelos psicólogos a peça-chave no sucesso dos programas virtuais deemagrecimento. O retorno instantâneo e contínuo permite corrigir pequenosdeslizes antes que o ponteiro da balança acuse as falhas da dieta e desestimulequem a faz. “O feedback é uma ferramenta de ajuste de nossas ações”, disse aÉPOCA o psicólogo canadense Albert Bandura, de 85 anos, pes-quisador daUniversidade Stanford, no Estado americano da Califórnia. Bandura foi oprimeiro a estudar os mecanismos de feedback, ainda na década de 1970. “Aoreceber retornos repetidos, as pessoas entram em um ciclo promissor – e passama melhorar ainda mais seu desempenho.” Os psicólogos chamam esse fenômeno defeedback loop. Sua eficiência está ligada às emoções.

O mecanismo funciona assim: a sensação de sermonitorado e avaliado ativa regiões do cérebro que liberam dopamina, a substânciaessencial do prazer humano. Ela tem o poder de tornar as pessoas maiscomprometidas com seus objetivos. “Emoção, para o cérebro, é sinônimo deengajamento. O resultado do feedback é um cérebro engajado e motivado a sesuperar”, diz o neuropsicólogo Thiago Rivero, da Universidade Federal de SãoPaulo e da Sociedade Brasileira de Neuropsicologia. O feedback é fundamental emsituações como dietas, em que o desejo de perder peso está ligado a sensaçõesefêmeras, como entrar numa roupa menor ou impressionar a namorada. Qualquercontratempo pode ser suficiente para deixar a dieta de lado.“Ao adotar ofeedback contínuo na estratégia de emagrecimento, o desafio de cumprir metaspassa a ser tão importante quanto as motivações iniciais que levaram aoregime”, diz Rivero.

As equipes dos sites de dieta já entenderam queo retorno rápido é o segredo de seu negócio, por isso investiram em nutricionistasde plantão na internet e em serviços que saciem a curiosidade dos usuáriossobre seu desempenho. A nutricionista Mariana Jota, do siteemagrecendo.com.br, já se acostumouaos feedbacks eletrônicos. “Uma vez uma paciente tirou a foto de um doce deabacaxi com o celular e enviou para mim”, diz. “Ela desejava saber o impactodaquela sobremesa em sua dieta.” Mariana mandou a resposta na hora, com acontagem aproximada de calorias da guloseima. É difícil sentir-se mais amparadoque isso durante uma dieta.

BOTÃO DE “CURTIR” E MÚSICA AGITADA

O mecanismo de informação e correção tambémexplica o sucesso de aplicativos de celular que estimulam a atividade física. Éo caso dos contadores de passos. Segundo uma pesquisa publicada em 2007, osusuários aumentam sua atividade física em 2 mil passos por dia, o equivalente a1,6 quilômetro ou 30 minutos de caminhada. O levantamento foi feito pelo Centrode Pesquisas Biomédicas Pennington, nos Estados Unidos. Outro exemplo é oprograma Nike +, que conecta o corredor ao Facebook no início do treino. Cadavez que alguém aperta o botão de “curtir”, o corredor ouve palmas de incentivo.O aplicativo também permite programar uma canção agitada para quando o ritmoestiver esmorecendo. Ele é o favorito da analista de mídias digitais LuizaSpinelli, que corre pelo menos duas vezes por semana. Aos 24 anos, incomodadacom uns quilos a mais, ela começou a perder peso com a ajuda do aplicativo queinstalou em seu celular. “Quando estou exausta, aperto a opção Power Song(música de ritmo forte) e consigo o estímulo final”, diz ela. Luiza acompanhasua evolução em gráficos que mostram a distância percorri-da, a velocidade eseus recordes. Com esse aparato informativo, ela voltou aos 57 quilos e queimou8.500 calorias. Agora, quer passar de 5 para os 7 quilômetros por treino, nomenor tempo possível.

Ter amigos no Facebook parece contar a favor daperda de peso. Uma pesquisa feita pelos criadores do programa MyFitness-Pal(uma espécie de contador de calorias de bolso, que pode ser carregado nocelular) mostrou que os usuários emagrecem na mesma proporção em que cresce onúmero de seus amigos. Quanto mais gente olhando, melhor o resultado. Ainfluência de amigos virtuais levou a administradora de empresas CarolinaArcanjo, de 28 anos, a perder mais de 50 quilos. A um passo da diabetes, com131 quilos, pernas inchadas e dor nas costas, ela quase não conseguia passar nacatraca do cinema, seu passatempo favorito. Carolina encontrou na internet oapoio de desconhecidos que, como ela, precisavam emagrecer. Criou um diárioele-trônico (emagrececomigo.blogspot.com) para expor suas angústias e localizar parceirosde dieta. “Sempre tem alguém que já devorou um pudim de leite condensado e nãovai te condenar por um abuso”, afirma. Atualmente com 80 quilos (ela desejaperder mais 8), Carolina reatou com o namorado, fez cirurgia de redução deestômago e sonha com as primeiras férias de biquíni em Bertioga, no LitoralNorte paulista. “Perdi a conta das dietas desesperadas que fiz antes disso”,afirma.

Uma série de estudos comparativos tentou medircientificamente a eficácia dos métodos de emagrecimento virtuais diante dosdemais. O mais completo até agora é o de Jean Harvey-Berino, do Departamento deCiências da Nutrição da Universidade de Vermont, nos Estados Unidos. Ele foi oprimeiro a comparar o tratamento considerado padrão-ouro (que inclui dieta,atividade física e terapia comportamental) aos programas on-line. Publicado noperiódico científico Preventive Medicine, o resultado mostra que houve maiorperda média de peso (6,1 quilos) entre os integrantes do grupo que fizeramterapia cara a cara. O grupo que fez a dieta com a ajuda da internet perdeu 5,6quilos, e o grupo que tinha sessões de atendimento pessoal e também pelainternet perdeu 5,5 quilos. Quando se pensa na rela-ção custo-benefício, ainternet não se sai tão mal. Está a meio quilo de distância do padrão-ouro. E,mesmo que emagreça menos que as dietas tradicionais, a redução de pesoproporcionada pelas dietas na internet já faz bem à saúde. Os especialistasdizem que uma perda de 5% do peso corporal é suficiente para combater doençascrônicas relacionadas à obesidade, como diabetes e hipertensão.

Os médicos avisam, porém, que regimes digitaisnão servem para todos. O neurocientista americano Mark Mattson diz que essetipo de recurso não ajuda quem não tem acesso permanente a um computador, nãousa celulares inteligen-tes ou não tem afinidade com esses aparatos datecnologia. “Há quem prefira pagar um médico e ir ao consultório”, diz Mattson.O consultor de seguros Jaime Delgado, de 45 anos, é assim. Ele emagreceu 6quilos em 45 dias, frequentando uma clínica de nutrição. “Eu me obrigava aseguir o que foi combinado para poder apresentar bons resultados na visita aoconsultório”, diz Delgado. Antes, o consultor tentou emagrecer com a ajuda deum programa eletrônico, mas não deu certo. “Achei as informa-ções muito soltas,não consegui me engajar”, diz. “Sei que tudo está ali, mas preciso dadisciplina de alguém que me cobre e oriente pessoalmente.” Delgado é hipertensoe tem colesterol alto. Com a reeducação alimentar e caminhadas três vezes porsemana, reduziu os índices clínicos para níveis considerados normais. Ainternet é um caminho cada vez mais usado para quem quer perder peso erecuperar a saúde – mas não é o único.

Com Nathalia Ziemkiewicz