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A ciência do otimismo

sábado, 4 de fevereiro de 2012

2012 mal começou e já carrega uma série deprognósticos preocupantes. A crise econômica mundial não deve arrefecer e, naEuropa, a situação dos países da zona do euro está cada vez pior. O crescimentoprojetado para o Brasil é bem menor que o registrado nos últimos tempos e háaté quem acredite, lançando mão de um calendário maia, que este será oderradeiro ano da nossa existência sobre o planeta. Nada animador. Apesar dostons acinzentados dessas previsões, boa parte dos brasileiros entrou o anoimerso em boas expectativas. Basta checar os números recém-divulgados doBarômetro Global do Otimismo, uma pesquisa mundial que mede a presença dessesentimento pelo mundo, para constatar que a onda “pra frente Brasil” toma contado País: 74% da população acredita que, sim, apesar de todas as sinalizaçõespessimistas, 2012 será melhor que 2011. E nem adianta evocar a crise mundial oudesfiar dados negativos da economia, pois 60% dos entrevistados estãoconfiantes de que os próximos 12 meses serão um período de prosperidadeeconômica. 

De um lado a expectativa, de outro, arealidade. A aparente disparidade entre esses dois ângulos, acredite, não é umerro de cálculo. Pelo contrário, é uma elaborada estratégia do nosso cérebropara nos fazer seguir adiante. A artimanha atende pelo nome de “viés otimista”– a tendência dos nossos neurônios de pender para o otimismo ao projetar ofuturo. A boa notícia é que esse modus operandi não é exclusividade de algunspoucos. Estima-se que essa seja a dinâmica cerebral de 80% das pessoas. E osimpactos do otimismo, comprova a ciência, vão bem além de sonhar com um futuromelhor. Ele aumenta a autoestima, facilita os relacionamentos, movimenta aeconomia e faz bem à saúde.

Intrigada com a tendência do cérebro humano deenxergar o amanhã como uma grande promessa, a neurocientista Tali Sharot, daUniversity College London, no Reino Unido, dedicou-se a compreender o fenômenoe descobriu que há uma certa dose de conveniência no nosso comportamento. “Nãoé que não pensemos em coisas ruins para o futuro, mas sim que nossos neurôniossão eficientes ao armazenar as expectativas boas, mas falham ao incorporarinformações ligadas às expectativas ruins”, disse à ISTOÉ. Como resultado dessaequação desequilibrada, pendemos para o otimismo. Parece difícil acreditar? “Experimenteprojetar quantos anos você viverá”, provoca a cientista. “A maior parte daspessoas superestima a expectativa de vida em 20 anos ou mais” (entre osbrasileiros, por exemplo, a expectativa de vida é de 73 anos). Da mesma forma,é difícil alguém se casar achando que vai se separar, embora 40% das uniões noBrasil terminem na primeira década. 

Tali foi além e mapeou o que ocorria no cérebrodurante a elaboração dos pensamentos positivos. Quando eles ocorrem, há umaqueda na atividade do córtex pré-frontal, região responsável por monitorar adiferença entre a realidade e o que imaginamos para o futuro. Quanto maior ograu de otimismo, menor a atividade nessa área, gerando o fenômeno descritopela pesquisadora. Tudo isso é um mecanismo de autoproteção. “Entre os animais,somos os únicos que temos a noção de finitude”, diz o neurocientista AntônioPereira, do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande doNorte. “Ter ciência dessa condição poderia nos impedir de realizar projetosfuturos, em especial aqueles de longo prazo.” Assim, durante a evolução, nossocérebro aprendeu a esperar sempre mais do amanhã. A falha desse mecanismo, paraTali, vem acompanhada dos quadros de depressão – que estariam representadosjustamente por aqueles 20% de pessoas em que não se observa o “viés otimista”.

Se não acreditasse que o mundo seria diferente,certamente o designer carioca Flávio Deslandes, 39 anos, teria abandonado, em1995, o ousado projeto que lhe ocupava a cabeça: construir bicicletas de bambu.“Ouvi de professores que era loucura, que não iria dar certo”, diz. Afinal, elehavia escolhido um material tido como de segunda linha (o bambu) e um produtocom pouco glamour (à época, usar bike como meio de transporte era associado àfalta de dinheiro). Mesmo assim, Deslandes seguiu na empreitada e, em 2000, suabicicleta de bambu estava à venda na Dinamarca, país onde foi morar. Desdeentão, a ideia vem recebendo vários prêmios de design e ganhando fama mundialcomo uma alternativa ecológica para o transporte. “O otimismo nos faz assumirriscos e, com isso, avançar”, avalia o psiquiatra Irismar Reis de Oliveira, daUniversidade Federal da Bahia.

Parte dessa força motriz capaz de alterar até ofuncionamento de nossos cérebros está guardada em nossos genes. Alguns delescontrolam o transporte de serotonina, neurotransmissor que tem, entre outras, afunção de regular o humor e o comportamento das pessoas. Já era de conhecimentodos cientistas que falhas nesse gene aumentavam as chances de depressão após eventosnegativos. Um passo além, porém, foi dado por pesquisadores da Universidade deEssex, no Reino Unido, que descobriram outra alteração no mesmo gene 5-HTTLPR,que faz as pessoas enxergar melhor as coisas boas – literalmente. Noexperimento, 97 voluntários buscavam por um ponto em meio a imagens que podiamter conteúdo positivo, negativo ou neutro. Quem tinha a alteração, demoravamais para encontrar o ponto nas imagens com remissão a coisas ruins e era maisrápido nas cenas positivas. “Como se tivessem uma espécie de aversão às imagensnegativas”, compara Elaine Fox, coordenadora da pesquisa. Agora, os cientistasbuscam outros mecanismos genéticos que expliquem por que algumas pessoas sãonaturalmente otimistas. “Não existe um único gene do otimismo”, afirmou Elaineà ISTOÉ. “O 5-HTTLPR é apenas um que conseguimos descrever o funcionamento.” 

Enquanto esse quebra-cabeça biológico não édecifrado, outra aposta é na criação de métodos para ensinar o otimismo. Oexpoente dessa busca é o americano Martin Seligman, pai da psicologia positiva,disciplina criada por ele na década de 1980. Incomodado pela profusão dosestudos sobre doenças mentais na psicologia, Seligman se propôs a abandonar apatologia e pesquisar o lado bom da vida. Otimista nato, ele dedicou seusúltimos 30 anos a enumerar os benefícios do comportamento positivo. Em suaspesquisas, os políticos otimistas ganham mais eleições, os estudantes otimistastêm melhores notas e os atletas otimistas vencem mais competições. E, paradesespero dos pessimistas, a falta do gene do otimismo não é desculpa. Épossível alterar o comportamento de uma pessoa para torná-la mais otimista,garante a psicologia positiva. “Otimismo é crer que as situações ruins sãotemporárias”, define Daniela Barbieri, presidente da Associação de PsicologiaPositiva da América Latina. “É possível aprender a ter essa reação por meio daidentificação e do monitoramento do pensamento negativo”, esclarece. A fórmulaé simples. Antes de decretar que não vai dar certo, pense se não há alternativasmenos aterrorizantes. 

Quem é otimista faz naturalmente essemovimento. Para a maioria dos brasileiros, por exemplo, o Congresso é formadopor uma corja de ladrões e a única solução seria a prisão coletiva. Essa,porém, nunca foi a solução antevista pelo publicitário mineiro FernandoBarreto, 39 anos, um otimista político de carteirinha. “Não acreditar navalidade do sistema democrático é o mesmo que desistir dele”, afirma. “O queprecisamos é fazê-lo evoluir e, para isso, a gente precisa acreditar nele.” Emvez de gastar o tempo falando mal dos deputados e senadores em mesas de bar,Barreto reuniu dois amigos e foi pensar ferramentas que permitissem aoscidadãos monitorar seus representantes. Na frente do computador, inventaram oVote na Web, plataforma por meio da qual é possível acompanhar o trabalho doslegisladores – como votam e o que propõem. “Ouvimos muito a frase ‘brasileironão gosta de política, isso não vai dar certo’”, diz. De ideia de maluco ainiciativa louvada pela Organização das Nações Unidas foram menos de três anos.

Se o otimismo de uma pessoa ou de um pequenogrupo já é capaz de gerar iniciativas interessantes, como é o caso do Vote naWeb, o que não dizer do comportamento positivo generalizado? Quando centenas,milhares de pessoas acreditam que algo vai dar certo, dá certo? A resposta, deacordo com um grupo de pesquisadores da Universidade de Miami, nos EstadosUnidos, é sim. Para chegar a essa conclusão, eles realizaram um estudo pioneiroem que cruzaram índices de recuperação econômica e otimismo da população nosEstados Unidos. Quando havia mais otimismo, a recuperação acontecia de formamais rápida. “O resultado nos surpreendeu. Estamos planejando agora um estudopara avaliar se o mesmo mecanismo pode ser aplicado às empresas”, disse à ISTOÉAlok Kumar, coordenador do trabalho. Laure Castelnau, diretora-executiva demarketing e novos negócios do Ibope Inteligência – responsável por levantar osdados brasileiros para o Barômetro Global do Otimismo –, explica que esse é omotivo do interesse em se medir o otimismo da população. “É uma medição daexpectativa. Ele mostra o que as pessoas esperam em relação aos preços, àeducação e ao crescimento econômico”, diz. 

Um bom exemplo de aposta no otimismo coletivo éo Fórum Social Mundial. Nascido em solo brasileiro, na cidade de Porto Alegre,em 2000, desde então, o evento reúne, anualmente, milhares de manifestantesembalados pelo lema de que “um outro mundo é possível” para debater propostasrelacionadas ao bem coletivo. Um dos criadores do modelo é o político eativista Chico Whitaker, 80 anos, “um otimista social”, como ele mesmo gosta dese definir. O conceito, explica, usa em contrapartida ao otimista individual.Enquanto este se move pela confiança em si e pela ambição, aquele tira forçasda confiança no outro e da esperança. “Não é uma visão Poliana”, faz questão dejustificar, numa analogia à personagem da literatura juvenil imortalizada pelo“jogo do contente” (estratégia por ela inventada para sempre ver o lado bom dassituações ruins). “Mudar o mundo é ‘dificilérrimo’, mas, apesar disso, épreciso continuar.” Pode parecer utópico, mas, se a ciência mostrou ainfluência do otimismo de um povo na recuperação econômica de um país, por queesse mesmo fator não poderia impactar na desigualdade social? 

E não é só fora de casa que o clima otimistaajuda. Entre quatro paredes, pensar positivo também traz ganhos. Para opsicólogo Tal Ben-Shahar, que se tornou famoso por lotar salas de aula naUniversidade Harvard (EUA) para ensinar psicologia positiva, o otimista faz bemao seu entorno. “Para o otimista, estar em uma relação é uma forma de se sentirmais forte diante dos problemas”, disse Ben-Shahar à ISTOÉ. Enxergando ocompanheiro como aliado, e não como inimigo, a situação doméstica ficaharmoniosa. “O otimista dá mais apoio ao companheiro e isso ajuda a resolver osconflitos de um modo mais construtivo e menos violento”, disse à ISTOÉ SanjaySrivastava, pesquisador do laboratório de personalidade e dinâmica social daUniversidade de Oregon, nos Estados Unidos. Isso não necessariamente os faz sedivorciar menos, mas encarar com desenvoltura novas relações.


Que o diga a blogueira eescritora paulista Gisela Rao, 47 anos. Feliz como se fosse subir ao altar pelaprimeira vez, ela se prepara para consumar o terceiro casamento, em março, como representante comercial Beto Lima, 33 anos. “É diferente, estou mais madurana relação”, diz. Desta vez, garante, o futuro marido é “do seu número”.“Escolhi alguém dentro do perfil que eu queria. Nos outros casamentos não tinhaessa mesma clareza.” Após ouvir uma entrevista de Gisela sobre seu livro “NãoComi, não Rezei, mas me Amei” (Editora Matrix), Lima resolveu procurá-la. Foiamor à primeira vista. Em três meses estavam noivos e de casamento marcado. Osfantasmas dos relacionamentos passados, garante a escritora, não assombram afelicidade que transborda do casal atualmente. 

Não só metaforicamente o otimismo faz bem aocoração. Está comprovado: acreditar no amanhã protege de doenças cardiovasculares.Em um estudo feito pela Universidade de Michigan (EUA), um ponto a mais deotimismo, em uma escala que variava de zero a 16, representava 9% a menos dechance de ter um infarto. Quem é mais otimista abraça de forma mais contundentesuas obrigações de paciente. Toma a medicação de forma controlada e adere àsdietas alimentares sem reclamar. Além do sistema cardiovascular, a imunidadetambém melhora. “Avaliando um grupo de 124 estudantes, observamos que, quandoestavam mais otimistas que o usual, o sistema imunológico respondia de formamais consistente”, explicou à ISTOÉ a cientista Suzanne Segerstrom, daUniversidade de Kentucky, nos Estados Unidos.

Por isso muitas equipes de saúde focam seustrabalhos em fazer com que os pacientes de enfermidades graves enfrentem comotimismo os tratamentos aos quais devem se submeter. “Os estudos apontam parauma relação entre estresse, depressão e progressão da doença”, diz CarlaMannino, especialista em psico-oncologia da CliniOnco, em Porto Alegre. Foi comlenços na cabeça, orações e esperança que a aposentada gaúcha Mara FátimaParassolo, 56 anos, superou os quase dois anos de radioterapia e quimioterapiapara extirpar um câncer de mama. Ela recebeu o diagnóstico no dia 4 de julho de2006. “Na hora desabei, mas no dia seguinte percebi que eu precisava me erguere partir para a segunda etapa, que era me tratar.” Quando soube que teria defazer uma quimioterapia “daquelas que o cabelo cai”, não titubeou. Foi ao salãoe passou máquina zero na mesma hora. “Sem otimismo você não sobrevive aotratamento. Ele é doloroso e exige muito do paciente.”

Como tudo na vida, todavia,excesso de otimismo também faz mal. É inegável que na sociedade contemporâneahá uma pressão social muitas vezes exacerbada exigindo que as pessoas enxerguemsempre o lado bom da vida, sejam felizes e não sofram. “No esforço de evitar osofrimento o ser humano já fez muita tolice”, alerta o filósofo Paulo Vaz, daUniversidade Federal do Rio de Janeiro. O risco de se tornar um otimistapatológico é superestimar as expectativas positivas. A economista Manju Puri,da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, afirma que a falta de avaliação deriscos deixa essas pessoas muito expostas. “Quem tem esse perfil pensa que nãoé preciso poupar dinheiro e que a economia vai sempre estar melhor”, afirma. Oresultado disso é que, por excesso de confiança, a pessoa não se previne. “Opessimismo também tem seus benefícios, ele nos protege de desapontamentos”,avalia a psicóloga Kate Sweeny, da Universidade da Califórnia (EUA), autora deum artigo em que defende o comedimento nas doses diárias de otimismo. Por isso,acredite no otimismo. Mas, como tudo na vida, use com moderação.