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Menstruação, Inflamação e a Patologia Endometrial

domingo, 29 de maio de 2011

A menstruação é um fenômeno recente na história evolutivadas espécies e esta não era para ocorrer na natureza com a freqüência com queocorre na mulher civilizada.  A mulhermoderna tem mais de 450 menstruações durante a sua vida reprodutiva enquanto amulher primitiva não tinha mais que 160 menstruações durante este mesmo período(Coutinho, 1999)4. Os mecanismos pelos quais a repetição dos ciclos menstruaispoderiam levar a um aumento de risco para o desenvolvimento de patologiasginecológicas é complexo e envolve  nãosomente os hormônios esteróides como também as prostaglandinas e outrascitocinas inflamatórias.

Amenstruação pode ser definida como a descamação da camada funcional doendométrio previamente estimulado pelos estrogênios, provocada pela queda daprodução da progesterona (Ferenczy 1980)6.  Os mecanismos que regulam o sangramentomenstrual incluem desde os hormônios esteróides produzidos no ovário até váriascitocinas e fatores de crescimento celular que são produzidos localmente naglândula e no estroma endometrial (Smith 2002)23.  Estes fatores inflamatórios locais sãoresponsáveis tanto pela destruição como pela reparação da camada funcional doendométrio durante a menstruação, num processo que também envolve a ativação deenzimas como as metaloproteinases (Salamonsen et al 1997)22.  O processo da menstruação é regulado pormecanismos ligados à inflamação e destruição de tecidos nos quais asprostaglandinas e outros mediadores inflamatórios têm um papel importante,inclusive na fase de reparação e angiogênese (Kelly 2001)8.  Uma das evidências do envolvimento dasprostaglandinas na menstruação foi obtida através de estudos que mostravam asua presença no sangue menstrual (Bielgmayer 1995)2.  A presença e a intensidade de sintomas ligadosà menstruação também se correlacionavam de uma maneira positiva com os níveisde prostaglandinas no sangue menstrual, o que sugeria um papel destas naregulação do processo da menstruação (Nigam 1991)18. As observações clínicas deque os antiinflamatórios não esteróides (AINE), inibidores da ciclooxigenase-2(Cox-2), eram eficazes não só para reduzir o fluxo menstrual como também paratratar a dismenorréia são evidências do envolvimento das prostaglandinas naregulação da quantidade do fluxo e dor menstrual e também do importante papelda Cox-2 na regulação da síntese de prostaglandinas pelo endométrio durante amenstruação (Morrison, 1999)17.

No endométrio, as observações histológicas durante a fasepré-menstrual, por outro lado, mostraram um grande número de célulasimunologicamente ativas como linfócitos e macrófagos infiltrando o estroma,mostrando assim que do ponto de vista morfológico a menstruação era um processoque envolvia inflamação (Smith, 2002)23.  Por sua vez, estudos recentes mostraram que aprogesterona tinha uma ação antiinflamatória no endométrio impedindo a formaçãodas prostaglandinas e o início da menstruação (Kelly, 2002)9.  A queda da progesterona, por sua vez, ativariaos mediadores inflamatórios levando ao início do sangramento menstrual (Kelly,2002)9.  Uma das respostas inflamatóriasmais importantes provocadas pela diminuição da produção de progesterona na faselútea tardia é o aumento na expressão da enzima Cox-2 na glândula endometrial,que coincide com o início da menstruação (Maia, 2005)11, (Figura 1). Durante afase lútea a expressão de Cox-2 na glândula endometrial é totalmente suprimidapelos níveis crescentes de progesterona produzidos pelo corpo lúteo (Figura 2),(Maia, 2005)11.  A diminuição daatividade da Cox-2 leva a uma diminuição da produção de prostaglandinas peloendométrio secretor. Entretanto, com a ausência da nidação ovular, os níveis deprogesterona começam a cair devido à falência do corpo lúteo e isto ativa umacascata de fatores inflamatórios no endométrio, resultando assim no aumento demediadores inflamatórios (interleucinas) e das prostaglandinas, que têm umpapel importante na regulação do sangramento e cólica menstrual (Kelly, 2002)9e da Cox-2 (Maia, 2005)11.

 

As interleucinas, por sua vez, podem também ativar a Cox-2,exacerbando ainda mais o estado inflamatório no endométrio (Kelly, 2001,2002)8,9.  Após o 2º dia do sangramentomenstrual a maior parte da camada funcional do endométrio já foi eliminada pelainflamação e a superfície cruenta começa a ser coberta por células tronco,muitas delas provenientes da medula óssea.  Nesta fase as taxas de proliferação dascélulas glandulares e estromais são baixas e o mecanismo de reparação dasuperfície cruenta do endométrio ocorre mais por migração de células troncoprovenientes tanto da base das glândulas endometriais como da medula óssea(Okulicz, 2002)20 do que por um aumento das taxas de proliferação, que só vaiocorrer mais tarde com o aumento da produção estrogênica durante a faseproliferativa (Maia, 2005)11. Esta exposição constante e repetida da mucosaendometrial à inflamação e reparação a cada ciclo menstrual pode representar umfator de risco para o desenvolvimento de patologias uterinas tanto de naturezabenigna como maligna. Estudos recentes, por exemplo, têm mostrado que existeuma relação entre inflamação provocada pela ativação da Cox-2 e odesenvolvimento do carcinoma endometrial (Modugno, 2005)16.  A exposição freqüente do endométrio asprostaglandinas como resultado da ativação da Cox-2 durante certas fases dociclo menstrual (Maia, 2005)11 tem sido considerada recentemente como um fatorde risco para o desenvolvimento do carcinoma de endométrio e de suas lesõesprecursoras (Fugiwaki, 2002)7, (Modugno, 2005)16. As menstruações excessivastambém têm sido consideradas fatores de risco para o aparecimento de patologiasendometriais por causa da exposição aos mesmos mediadores inflamatórios(Modugno, 2005)16.  Estudos realizados invitro com células isoladas de carcinoma de endométrio mostraram que as taxas deproliferação destas diminuem com bloqueio da síntese de prostaglandinas atravésdo uso de drogas antiinflamatórias (Modugno, 2005)16. A ativação da Cox-2 estátambém ligada ao aparecimento de patologias benignas uterinas como os póliposendometriais (Maia, 2005)12, adenomiose (Ota, 2001)21, endometriose (Ebert,2005)5 e hiperplasias endometriais (Fugiwaki, 2002)7.

 

Como muitas destas patologias são também resultantes da açãodos estrogênios é natural imaginar que deve existir uma conexão entreinflamação e hiperestrogenismo. No endométrio, a exposição freqüente a umestado inflamatório provocada pelas repetidas menstruações deve favorecer oaparecimento de mecanismos moleculares através dos quais as prostaglandinas ououtros mediadores inflamatórios como as interleucinas possam interferir naprodução local de estrogênios, aumentando assim o risco do aparecimento daspatologias ginecológicas estrogênio- dependentes.  Um dos prováveis mecanismos através do qualisto possa ocorrer é através da ativação da aromatase pela exposição àinflamação, já que as patologias ginecológicas estrogênio-dependentes e ocarcinoma endometrial são capazes de produzir estrogênios localmente através doaumento da atividade da enzima aromatase p450. Esta enzima converte osandrogênios C19 em estrogênios e a sua presença nestas patologias é responsávelpelo aumento da produção local dos estrogênios. É importante lembrar que oendométrio das pacientes com estas patologias estrogênio-dependentes também écapaz de expressar a enzima aromatase p450, o que sugere que o defeito primárioocorre no próprio endométrio e provavelmente antecede o aparecimento destaspatologias (Figura 3), (Attar, 2006)1 (Maia, 2006)14.  

 

A aromatase, por sua vez, não é detectada no endométrio deúteros normais e portanto estes não têm a capacidade de produzir localmenteestrogênios.  A conexão entre produçãolocal de estrogênios, a menstruação e a inflamação é feita portanto pelaexpressão da aromatase. A inflamação através das prostaglandinas ativa aaromatase no endométrio das pacientes que desenvolveram patologiasestrogênio-dependentes, enquanto que no endométrio de pacientes sem patologia,a prostaglandina E2 (PGE2) não tem nenhum efeito estimulador sobre a atividadeda aromatase p450 (Noble, 1997)19.  O queocasiona estas respostas diferentes não é ainda perfeitamente conhecido porém arepetição freqüente das menstruações, expondo o endométrio à ação dasprostaglandinas e outras citocinas inflamatórias pode induzir em pacientessusceptíveis o aparecimento da enzima aromatase e esta, por sua vez,favoreceria o aumento da inflamação pela ativação da cox-2 (Bulun, 2002)3,(Maia 2005)11,12??, (Attar, 2006)1, criando assim um milieu hiperestrogênico noendométrio (Attar, 2006)1.  Na etapainicial é provável que as pacientes ainda não tenham desenvolvido patologiaestrogênio-dependente, porém elas provavelmente começam a apresentar um aumentodos sintomas ligados a menstruação como o agravamento das cólicas e o aumentodo fluxo menstrual como conseqüência do aumento das prostaglandinas. 

 

Os ginecologistas experientes provavelmente já notaram quemuitas de suas pacientes diagnosticadas com patologias estrogênio-dependentestêm uma história clinica de aumento de fluxo e cólica menstrual que inúmerasvezes pode anteceder por muitos anos o aparecimento destas.

Aativação da aromatase cria um estado inflamatório crônico no endométrioprovocado pelo estímulo persistente dos estrogênios sobre a Cox-2, fazendo comque esta mantenha a sua expressão mesmo durante a fase lútea.  Isto foi recentemente descrito na adenomiose,e provavelmente explica o aumento de fluxo menstrual e a dismenorréia associadacom esta patologia (Figura 4), (Maia, 2006)13

Comoprevenir estas alterações na atividade da aromatase e da Cox-2 no endométrio edesta maneira impedir o aparecimento de patologias ginecológicas estrogêniodependentes? Uma das alternativas terapêuticas está no espaçamento dasmenstruações através do uso de contraceptivos orais de maneira estendida.  Recentemente foi mostrado que o uso estendidode contracepção oral combinada suprime a expressão da Cox-2 nas glândulasendometriais, diminuindo assim a inflamação a nível endometrial (Maia, 2005)11e impede a recorrência dos cistos endometrióticos (Maia, 2004)10.  Existe uma relação entre inflamação, Cox-2 esangramento durante o uso de contraceptivos, pois somente é possível induziramenorréia em usuárias de pílulas quando ocorre a supressão da enzima Cox-2 noendométrio (Maia, 2006)15. A suspensão do contraceptivo oral ou a presença desangramento irregular leva sempre à ativação da Cox-2 na glândula ou estromaendometrial (Figura 5).  Estudospreliminares e ainda não publicados realizados em nosso serviço mostraramtambém uma resposta semelhante do endométrio em termos de supressão de Cox-2entre a associação drospirenona / etinilestradiol (Elani®, Libbs Farmacêutica)e o gestodeno / etinilestradiol (Gestinol®, Libbs Farmacêutica) em pacientesfazendo uso destes contraceptivos e estendendo os ciclos menstruais (Figura 6).

Estesresultados mostram que é possível reduzir a expressão de Cox-2 com o usoestendido de contraceptivos orais contendo gestodeno ou drospirenona.  A diminuição da expressão de Cox-2 noendométrio com o uso estendido do contraceptivo oral levaria a uma diminuiçãodo estado inflamatório endometrial associado com a menstruação, diminuindoassim o risco da ativação da aromatase e do desenvolvimento de patologiasligadas ao hiperestrogenismo.

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