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Mulheres sofrem mais do coração

domingo, 27 de maio de 2012

A técnica em enfermagem Elcir Gonçalves Ferreira Xavier, 47 anos, estava acostumada a percorrer os corredores dos hospitais sempre a serviço. Mas em 2007, após passar mal por quase 20 dias, ela se viu na condição de paciente de risco. “Senti uma dor forte irradiando do braço direito, durante o trabalho, e procurei o médico. Ele pediu um eletrocardiograma e me encaminhou ao cardiologista, que confirmou que eu estava tendo uma isquemia cardíaca”, conta. Em menos de três anos, Elcir passou por dois cateterismos, exame que avalia o funcionamento de válvulas, artérias e do músculo do coração. Ela também recebeu o implante de cinco stents para controlar o fluxo sanguíneo nas artérias obstruídas.

Histórias de mulheres como Elcir são comuns em todo o país. Segundo a cardiologista Edna Marques de Oliveira, chefe-geral de Cardiologia da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, desde 1984, a mortalidade por doenças cardíacas em todo o país é maior entres as mulheres. Em 2011, os hospitais do DF registraram 361 internações mensais por ataque agudo do miocárdio. Desse total, 55% eram do sexo feminino. 

O último balanço levantado pelo Ministério da Saúde também é preocupante. As estatísticas revelam que as brasileiras lideram as mortes por doenças hipertensivas e relacionadas ao acúmulo de colesterol nas artérias. “Com a entrada das mulheres no mercado de trabalho, a partir dos anos 60, e com a maior exposição aos fatores de risco, como tabagismo e sedentarismo, houve um aumento rápido das vítimas de doenças cardiovasculares. Além disso, elas concentram os cuidados com a saúde apenas nos exames ginecológicos, e esquecem do resto”, explica Edna.

O cardiologista Orlando Otávio de Medeiros, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), aponta outras causas que fazem dessas doenças inimigas. “O coração mata quatro vezes mais mulheres do que todos os tipos de câncer juntos. Isso acontece porque elas não ligam para os sintomas. Como não estão alertas, acreditam que a náusea do infarto, por exemplo, é apenas um problema digestivo”. Segundo o médico, há dificuldade em diagnosticar cardiopartias porque, além das particularidades do organismo feminino, alguns dos sintomas mais comuns, como dor no peito, não aparecem. “Boa parte da literatura usada hoje é antiga. Antes, as pesquisas médicas eram realizadas com muitos homens e poucas mulheres, de forma que ainda há confusão por parte dos profissionais.”

Edna ressalta que o mal-estar sentido pelas mulheres é igual ao dos homens. “O que muda é a resistência à dor. Em vez de pensar em infarto, a mulher acha que é dor muscular, ou tensão pré-menstrual e se automedica”. Foi isso que fez Elcir demorar tanto para procurar ajuda profissional. “Me desdobrava cuidando da casa, da família e do trabalho. Meu pai tinha morrido recentemente. Achei que estava estressada, somatizando tudo, e só cogitei estar com problema do coração porque meu pai e três tios morreram de infarto.”

Produção hormonal
Por volta dos 50 anos, a mulher entra na fase conhecida como menopausa, quando a produção de hormônios sexuais entra em declínio. “Nesse período, elas deixam de produzir o estrogênio, que é um protetor natural do organismo. Com a diminuição da produção desse hormônio, a mulher fica mais exposta às cardiopatias”, explica Orlando. O estrogênio protege o coração e os vasos sanguíneos contra a formação de trombos e ajuda a manter os níveis do colesterol bom, o HDL.

“Nessa fase, elas precisam cuidar mais dos fatores de risco. É necessário controlar o peso, acabar com o cigarro, começar atividade física e frear o estresse, principalmente se houver quadro de diabetes ou hipertensão”, recomenda Edna. 

A adoção de hábitos mais saudáveis também pode economizar recursos dos cofres públicos. No último ano, o Sistema Único de Saúde (SUS) gastou R$ 16.282.660,12 apenas para tratar pacientes com doenças cardiovasculares do Distrito Federal.

Orlando ressalta que a prevenção pode ser feita antes da menopausa, enquanto a mulher ainda está na fase fértil. “A gravidez pode ser o primeiro teste do coração, mas é um exame discreto. Doenças que aparecem nessa fase, como pré-eclampsia, diabetes gestacional e até mesmo o baixo peso do bebê são marcadores de um maior risco de aquisição de doenças cardiovasculares em um período que varia de 10 a 15 anos”. 

Elcir é a prova disso. “Minha pressão sempre foi alta, mas só preocupou os médicos quando meu filho nasceu, há 17 anos. Doze anos depois, eu tive os primeiros sintomas da cardiopatia e minha pressão estava nas alturas”, lembra.

Risco crescente 
O último relatório do Ministério da Saúde (MS) revela que mais de 30 mil brasileiros morreram em decorrência de problemas cardiovasculares em 2010. Desses, 47% eram mulheres. Os números revelam que 23.862 brasileiras foram afetadas por doenças hipertensivas, 12% a mais do que homens mortos nas mesmas condições. Elas também lideram os óbitos causados pelo acúmulo de lípides, principalmente colesterol, nas paredes das artérias: foram 737, 19% a mais que o registrado entre o público masculino.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 33% das mortes no Brasil são causadas por doenças cardiovasculares. Segundo a entidade, o aumento e a melhor distribuição de renda no país permitem que a população tenha mais acesso a produtos industrializado e processados. Além disso, o ritmo acelerado das cidades incentiva comportamentos menos saudáveis, o que expõe, cada vez mais, os brasileiros a enfermidades crônicas. O tabagismo é considerado o hábito mais perigoso à saúde do coração.

De acordo com a OMS, cerca de 1,3 bilhão de pessoas sustentam esse vício em todo globo. No Brasil, uma pesquisa realizada no último ano pelo MS, em parceria com o Instituto Nacional de Câncer (Inca), estimou que 18,8% da população brasileira é fumante, sendo que 16% desse percentual é formado por mulheres. Outra preocupação é o número crescente de diabéticos no país. A pesquisa Vigilância de Fatores de Risco para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico 2011 (Vigitel) concluiu que 6% das brasileiras sofre com o diabetes e 45% delas estão acima do peso. 

Tantos corações expostos às ameaças têm um custo alto para os cofres do Estado. A Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) estima que o Sistema Único de Saúde desembolsou R$ 3,88 bilhões para o tratamento de pacientes enfartados e vítimas de acidente vascular cerebral (AVC) em 2011. Visando frear a incidência de problemas cardiovasculares no país, em 13 de dezembro do ano passado, foi publicada no Diário Oficial da União a Portaria nº 2.994, que aprova a Linha de Cuidado do Infarto do Miocárdio e o Protocolo de Síndromes Coronarianas Agudas. A ação, que trata essas doenças de forma preventiva e acompanha o paciente desde a fase aguda até a reabilitação, já foi implementada em quase todo as unidades de saúde do Distrito Federal.